_Pontilhado em Negrito
por Carol Rodrigues
Mariana foi uma dessas crianças, como posso dizer? Espevitadas. O que hoje entendemos por hiperatividade, naquele tempo, sua mãe chamava de talento. Podia ser pra qualquer coisa, desde que desse dinheiro pra família: circo, teatro, moda, dança, televisão, cobaia de terapia... "Essa menina há de ser o orgulho da família" - dizia sempre em alto e bom som. O pai achava exagero. "Deixa a menina crescer em paz" - repetia quase todos os dias, mas era sempre ignorado. Sabe homem bundão que obedece a mulher? O pai de Mariana era assim. Nem a menina, tão pequena ainda, o respeitava. Gritava sempre que era contrariada. E o pai, frouxo, cedia aos caprichos da menina.Quando Mariana ganhou um cd daquelas crianças cantoras, aqueles irmãos, inventou de ser cantora. E até que cantava bem, a menina.
Foi idéia de uma vizinha o programa de calouros da TV. E lá foi Mariana ser orgulho da família em horário nobre.
E o público vibrava com as peripécias da menina que nem sequer entendia o que cantava. E o público aplaudia a menina que dançava todos os hits do momento. "Olha como já sabe rebolar". "Rebola Mariana, rebola". E era dança disso e daquilo. Passinho pra lá, passinho pra cá. Dança vulgar que fica "bonitinho" porque é criança. "Olha que menina precoce".
E só Mariana não entendia o que acontecia.
A vulgaridade é só um tabú, deixa a menina dançar! "A menina não sabe o que está fazendo." E a mãe deixava, orgulhosa de ter parido o talento da família. Sexo vende! Mesmo subentendido nas ações de uma criança precoce. E a mídia em geral, lucra. E só quem perde é Mariana, mas se a família ga nha com isso, quem se importa? Ela vai ter dinheiro pra fazer terapia quando for adulta.
Mas como chegar a ser adulta, sendo forçada a sê-lo enquanto ainda é criança? E como aprender a julgar o certo e o errado, aprendendo através de exemplos vulgarizados e capitalista? A TV ensina mais que os pais, e Mariana, coitada, aprende com as novelas. O pai dizia: "não quero minha filha fazendo essas coisas". A mãe retrucava "mas quer o dinheiro do cachê, então fica quieto!". E o pai ficava. E a menina se cansava.
E repetia de ano por falta. A professora reclamava, a pedagoga alertava e ninguém ouvia. A mãe insistia e brigava: "Isso é manha".
E de manha em manha, cada vez mais exposta, a menina crescia perdendo a graça do que é novo.
Ninguém percebeu quando a menina começou a agir como adulta que não era. Quis trocar as bonecas por maquiagem. Não brincava e sequer conhecia crianças de sua idade. Pediu um celular, fez um orkut, blog, msn, twitte r... Tudo pra falar com os fãs quem nem sempre eram fãs. Porque Mariana, tolinha, achava que aparecer num programa de calouros já era ser muito famosa.
"Ahh olha, a menininha que cantava cresceu, está ficando mocinha, será que vai fazer novela?". Não, não vai. "
A menina da infância roubada, abusada pela mãe totalitária e abandonada pelo pai sem atitude, cresce já cansada da própria vida.
E cresceu sem perceber. De "talento precoce", passou a ser a "ovelha negra", a "rebelde com causa", ainda que ela mesma não soubesse a causa de tudo aquilo.
Mariana já não era notícia nem dava ibope. Já não tinha cachê, luxos ou privilégios. E acostumou a não estudar, a ter tudo que sempre quis. A menina cresceu achando que podia fazer qualquer coisa. E errado era só matar e roubar, o resto podia.
Hoje, Mariana não lembra com saudade de sua infância. Que infância?
Nem é o orgulho da família. Não tem nem orgulho de si mesma.
A vida foi apenas uma corrida atrás de status e capas de revista.
A vida lhe foi roubada na infância e o que restou, é o resultado de mais uma escolha errada em busca de fama.
Mariana voltou a ser estrela, filmou pornô e posou nua.
Mariana é Prostituta.
Clique aqui e ouça Cheia de Manha
*Texto baseado na música "Cheia de Manha" - Móveis Coloniais de Acaju
*Título extraído da música citada acima
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Um comentário:
Carol, vc consegue tocar na ferida!
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