A Entrega das Chaves*

segunda-feira, 21 de março de 2011
 _Pontilhado em Negrito
   por Carol Rodrigues






Antigamente, casamento era coisa feita pra durar - já dizia minha avó.
Assim aprendi, assim acreditava. Até o dia que não mais a reconheci.
Sorria forçadamente como uma atriz fingindo ser feliz.
E tudo que me lembro, são palavras que soam cada vez mais sentido.
Quando foi que este monstro saiu debaixo da nossa cama e passou a dormir entre nós? Quando nos tornamos carrascos de nós mesmos?
Não deve ter sido de uma hora pra outra. Por que eu não notei o chão sumir bem embaixo dos meus pés?

Insisti em não reconhecer o fim. Quis viver os dias sem pensar no porvir, acreditando e rezando para que tudo ficasse bem. Afinal, não é o que dizem? Que no final tido fica bem? Porque, enquanto feliz, fechava os olhos para qualquer sinal de alerta e ignorava que as coisas não iam bem. SÍ para aprender, à duras penas, que ignorando um problema ele não deixa de existir.

"Basta ser feliz, ora bolas. E pra ser feliz só precisa querer ser, não é?" E ficava nesse argumento cíclico, repetindo até não me dar conta de mais nada.
Entre o apego aos planos futuros e a visão de que o futuro não existe mais, busquei em mim aquela força pra fazer tudo voltar a ser como era antes. Posterguei o sofrimento.

Foi então que senti aquilo! Aquela coisa meio assim, meio assada.

Aquela desesperança com gosto de desgosto, temperada com a perda de um encanto com cheiro de velho. Como se estivesse na sala de espera de um coração ocupado demais com outros pacientes.

Não, eu não sei explicar. Mas alguma coisa foi sugando minha energia. Como algo que esquece fora da tomada. Como lembranças que se gastam, feito sola de sapato. Até que nada mais resta além do pé descalço.

Então, aconteceu.
Eu fingia dormir enquanto ouvia você enfiar al guns pertences numa bolsa, calçar suas botas e ir embora. Virei pro lado e pensei: "à noite vai ser uma merda". E foi, de fato, foi. Pra dormir depois desse dia, só com aquela cartela de cápsulas da caixa de tarja preta.
Assisti calado à morte desse amor mal alimentado. Um tedioso monólogo de ambas as partes, um grito de socorro já sem voz. E nós, dois surdos emocionais.
"Vamos precisar de um juiz". Não lembro de quem foi a sugestão.
Depois de tudo, vem você novamente falar daquelas coisas de antigamente.
Coisas que minha avó também dizia. Inclusive, sobre você.
Não sei ao certo porque você me ligou. Nem porque veio aqui naquela sexta-feira que fingi não estar em casa. Só pra não te atender e olhar de novo nessa sua cara de filme antigo.
Sim, eu vou separar as suas roupas, seus discos e livros, suas coleções de conchas e cobertas.
No fundo, minha vontade é queimar todas essas coisas. Queimar a cama, o quarto e toda a via-crucis que me trouxe até aqui.
Mas vou deixar com o porteiro todas as suas coisas. Estão separadas e embaladas, esperando por você. Com exceção daquele vinil do Dylan que você se apropriou, mas é meu. E nada do que você diga me ofende. E nada do que você faça, me comove. Não mais.
Hoje o telefone tocou novamente. E era você às 3:52h da madrugada. Não atendi. Acho que nunca mais vou atender, pra falar a verdade.
Mas não é que eu não queira falar com você. Na verdade, eu quero. Mas já não tenho o que dizer.
De algum modo, fechei minha cena com as últimas palavras do script. E acabou! Fim do segundo ato.

O nosso apartamento já está alugado. E as tuas chaves não servem mais
.




Texto baseado na música "Aluga-se Vende"(Móveis Coloniais de Acaju)



  

11 comentários:

@dlfmRenata disse...

dlfmRenata curtiu isso.

Águida Maiara disse...

Ficou L.I.N.D.O!!! Pra falar a verdade eu sou suspeita pq aluga-se vende é a minha musica favorita (se é que dá pra ter uma só) mas ficou perfeito!!!

Anônimo disse...

tá as moscas. axei que ia tá bombando

@dlfmRenata disse...

bom, rolam por aqui moscas E VOCÊ!, né?
*rssssss que está sempre por aqui apreciando!

Você, anônimo, nosso viewer predileto!! Pode ter certeza que se um dia tivermos um troféu para o visitante mais assíduo e querido, seu troféu já está garantido!

Continue sempre conosco =]

bisou
=**

Anônimo disse...

Que lindo texto! Muito bem escrito, Carol. Adoro o Móveis, assim como essa música. Parabéns pelo trabalho. Acabei de conhecer o site, através desse texto. Foi o primeiro que li, mas que, pelo visto, dificilmente será o último.

Bruna disse...

Amei o texto! Blog perfeito! Parabéns a todos os envolvidos =)

Leandro Luz disse...

O nome dessa coluna é sensacional!
;D

Carol Rodrigues disse...

Obrigada gente! Obrigada Anônimo rs
Muitos anônimos por aqui =D

=***
Kissus

Tânia Macedo disse...

Sou suspeita pra falar dos textos da Carol Rodrigues. Adoro todos!
Lindo, Honey! Menina talentosa. Vai longe que eu sei. ;)

Carol Rodrigues disse...

Aiimmm, brigada Tanete *-*




-em off: eu só preciso descobrir "pra onde" ir
rsrsrsrss

Victor Lorena, disse...

Bom, eu NUNCA comentei nada em nenhum dos blogs que eu li durante minha vida inteira, mas pra esse blog aqui eu sou obrigado a abrir uma exceção!
- não por serem meus amigos
- nem por ser sobre móveis

Mas sim porque deu vontade, é um comentário sincero!
Esta fantastico, o blog todo, TODO!!!

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